IMPENETRÁVEL MISTÉRIO



[Este relato foi extraído do livro "INCRÍVEL! FANTÁSTICO! EXTRAORDINÁRIO!", com edição do ano de 1951, o qual foi feito com base em um programa da rádio com o mesmo nome e transmitido pela Tupi do Rio de Janeiro, entre os anos de 1947 e 1958, tendo sido criado por Henrique Foris Domingues, o "Almirante", que era o próprio locutor do programa de rádio, onde eram contadas histórias sobrenaturais enviadas pelo público, as quais eram analisadas quanto à sua veracidade, sendo somente aprovados após a análise realizada.
Este relato aqui publicado é uma homenagem à este ótimo programa radiofônico que fez muito sucesso em sua época, não deixando dessa forma que as lembranças de sua realização se apaguem com o tempo.]

Obs.: Algumas descrições de rotinas, dos costumes, da existência de comércios ou localidades estranhas aos dias atuais, e mesmo a maneira como os fatos foram descritos, utilizando um linguajar diferenciado, são da época do ocorrido, o qual se passou entre as décadas de 1940 e 1950, quando existiam bares em estações, vias de terra e com matagais nas várias cidades do Brasil e outros costumes desconhecidos pelos mais jovens da atualidade.
Naquela época, já distante dos dias atuais a TV ainda estava no início, e o principal meio de distração das famílias era o rádio, onde geralmente todos se reuniam ao seu redor para ouvirem radionovelas, músicas e programas que atraiam os interesses de muitos ouvintes, como o "INCRÍVEL! FANTÁSTICO! EXTRAORDINÁRIO!".

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O que venho contar aqui, passou-se comigo mesmo, em Barra Mansa, Estado do Rio, numa casa que ficava à rua Jansen de Melo em Jacarepaguá - Rio de Janeiro - RJ.

Foi assim: em 1935, eu era o operador do cinema Eden.
Após a sessão que terminava sempre às 21 horas e trinta, costu­mava ir, em companhia de amigos,-até o Bar São Luís, e dali rumava para casa.
Numa noite, fiquei até mais tarde na rua e só me recolhi por volta das 23 horas.
Entrei no quarto, despi o paletó e o dependurei, como de costume na própria chave da porta, que eu trancava sistemàticamente.
Depois, tirei os cigarros e os fósforos, coloquei-os sobre a mesinha de cabeceira, verifiquei se a janela estava bem fechada, fiz minhas orações e deitei-me.

Ao lado de meu quarto, havia outros dois cômodos; no primeiro dormia meu irmão, com sua espôsa e dois filhos; no segundo, três primose e na parte de cima da casa moravam os meus tios.
Em certa altura, quando já estava ferrado no sono, fui despertado de maneira brusca.
Era como se tivesse levado um bruto empurrão e tive a impressão perfeita de que uma fôrça estranha me atirara por uma ribanceira.
Estava tudo escuro. Procurei o interruptor de luz, mas não houve meio de encontrá-lo.
Eu estava como que tolhido nos meus movimentos. Um aprisionamento nos músculos limitava a ação dos meus braços, das minhas pernas, do meu corpo todo.

Tinha a noção vaga de que uma mudança radical se operara no meu leito em redor de mim.
Impotente para sair dali, para me levantar e vencer o torpor, gritei com imensa dificuldade:

- Acorda, gente!

Não tardou que meu irmão se levantasse e viesse me atender.
Tinha a consciência de tudo e não podia compreender como conseguira ele entrar no meu quarto se eu havia fechado a porta com a chave, e por dentro...
Se eu estava espantado, porém, a surprêsa de meu irmão não era menor; pois ele me via deitado debaixo da mesa, na sala de visitas!
Minha cabeça pousava num dos meus próprios travesseiros, mas eu estava coberto com uma colcha que, antes, se achava no quarto onde dormiam meus três primos...
Da beira do travesseiro até à porta de meu quarto os ci­garros e os fósforos, espalhados pelo chão, faziam um verdadeiro rastro...
Tudo aquilo me dava a impressão de um acesso de sonambulismo , e a estranheza era maior visto como eu nunca fôra sonâmbulo.
Meu irmão estava pálido, trêmulo, e não dizia palavra.

Juntei a roupa, apanhei os cigarros e os fósforos e me dirigi ao meu quarto.
Quando bati a mão na maçanêta da porta, senti um caláfrio pelo corpo todo: a porta estava fechada, por dentro !
Meu pavor não teve limites.
Sob os olhares estarrecidos de meu irmão, gritei, alucinadamente, até acordar todos em casa.
Até os vizinhos acudiram, ante tamanho alarde e, em pouco, a sala estavà superlotada.

- Tem gente dentro de meu quarto ! - gritava eu, numa aflição.

Na verdade, era só o qµe se podia supor, com a porta e a janela fechadas por dentro!
Era aquela a única hipótese lógica.

- Tem gente aí dentro! - repetia eu, cada vez mais agitado.
Os vizinhos logo se preveniram. Alguns foram buscar suas armas e ficaram distribuído, uns, do lado de fora, fiscalizando a janela, e outros, por dentro, tomando conta da porta.
Um de meus primos foi buscar o machado e o meteu na porta.
Em poucos instantes a madeira cedeu aos golpes do ferro e a portaabriu violentamente..
Mas da mesma forma que abriu, voltou a fechar rapidamente, como que impulsionada por alguém que estivesse por detrás.

- Tem gente, sim! E' ladrão! Sai daí, bandido!: todos gritaram, ferozes.
A porta foi novamente empurrada para dentro e fêz o mes­mo movimento de retôrno .
A cena repetiu-se algumas· vezes e, como não passasse daquilo, alguns se encorajaram e entraram no quarto.
Em seguida uma gargalhada estourou em tôdas as bocas.
Detrás da porta, fazendo-a voltar insistentemente, estava um velho e inofensivo colchão. Ah! Ah! Ah! Ah! - gargalharam todos.
Mas, no meio das risotas gerais, eu ia fazendo minhas observações, e minha seriedade contagiou todas aquelas pessoas.

Em pouco tempo quietos, cabisbaixos, todos se curvaram ao pêso daquele estarrecedor mistério, e não era para menos. . .
A porta, mesmo tôda espedaçada, mostrava a lingüeta da fechadura para fora, sinal de que estava fechada por dentro, com a chave ainda em seu lugar; a janela, conforme todos constataram, estava hermeticamente fechada por dentro; e, da porta até a mesinha de cabeceira, os fósforos e os cigarros espalhados pelo chão continuavam o misterioso rastro que se estendera pela sala de visitas, até à minha cabeceira.

Por muito tempo, o comentário pelas ruas de Barra Mansa foi exclusivamente em torno daquele espantoso fato:

- O mistério do homem que fôra atirado através da porta fechada!

 

Giovanni Carneiro
Rua Godofredo Viana
Jacarepaguá - Rio de Janeiro - RJ
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